Desde dezembro, ela vive na casa do assistente social que tem projeto para resgatar pessoas em situação de rua

Aos 40 anos, Karen Pinheiro foi contratada pela assistente social Sonia Wolff. (Foto: Paulo Francisco)

“Ela tá me ensinando tudo, cada dia parece uma novidade para mim, ela era tudo que eu queria e Deus me deu”, conta Karen Pinheiro. Aos 40 anos, ela ganhou mãe, casa e a chance de viver uma vida bem diferente da que precisou levar desde que foi abandonada pela primeira vez pela família.

Natural de Santa Bárbara d’Oeste (SP), Karen sempre imaginou que era diferente e que gostava de meninos. Aos 12 anos falou para o pai que queria ser travesti e como resposta recebeu um soco na boca. Depois, a família a encaminhou para uma instituição onde deveria ‘aprender a ser homem’.

“Eu fui para uma igreja que era tipo para recuperação de usuário de drogas. Me pegaram beijando um menino e ligaram para minha família. Foi onde meu pai me jogou na rua, fiquei morando na rua, aí peguei carona e fui pra capital”, recorda.

Karen se emociona ao falar sobre o abandono que sofreu.  (Foto: Paulo Francisco)
Karen se emociona ao falar sobre o abandono que sofreu. (Foto: Paulo Francisco)

Aos 14 anos, Karen colocou o primeiro silicone e passou a ‘ralar’ na prostituição. “Mas nunca roubei ninguém”, faz questão de dizer. Na mesma época, ela também escolheu o nome que hoje usa, o nome que a seguiria na vida onde não precisaria virar homem, mas que exigiria um preço alto em troca.

Nas ruas de São Paulo, ela conheceu uma travesti que é lembrada durante uma conversa. Essa amiga descrita como uma pessoa ‘muito legal’ era de Campo Grande e foi assim que Karen veio parar na cidade há 20 anos. “É a cidade que eu amo, onde as pessoas conversam comigo, é um máximo”, diz.

Na Capital de Mato Grosso do Sul, ela ‘rodou’ pelas ruas onde continuamente se prostituindo, catando latinha para vender e usando o pouco dinheiro que tinha para comprar drogas. Foi nessa condição que a assistente social, Sonia Wolff, de 60 anos, conheceu há quatro anos.

Assistente social mostra sala do projeto ADV no Bairro Guanandi.  (Foto: Paulo Francisco)
Assistente social mostra sala do projeto ADV no Bairro Guanandi. (Foto: Paulo Francisco)

No Bairro Guanandi, assistente social trabalha no Ceaca (Associação Apoia a Criança), que atende crianças de cinco meses a oito anos. “Eu abri esse outro lugar aqui na esquina para crianças de 6 a 15 anos. Foi onde ela passou e eu acolhia porque já estava no meu projeto”, comenta.

O projeto referenciado pelo assistente social é a ADV (Associação Dignidade à Vida). Desde 2022, Sonia está à frente do projeto que oferece cursos de corte e costura e apoio psicológico para pessoas que vivem em condição de rua.

No bairro, ela se transformou em uma casa abandonada na sede da ADV. O lugar, que esteve praticamente em ruínas e atividades de ponto para pessoas consumirem drogas, ganhou outras áreas desde que um assistente social chegou.

Na sede são ministradas aulas de corte e costura para pessoas.  (Foto: Paulo Francisco)
Na sede são ministradas aulas de corte e costura para pessoas. (Foto: Paulo Francisco)

Voltando a história de como se conheceram, o assistente social lembra que Karen sempre aparece na Ceaca suja e com fome. “Ela tomava banho lá, eu deixava a roupa separada e ela comia. Depois ia embora e aparecia toda detonada de novo. Nisso foram quatro anos”, afirma.

Durante esse tempo, Sonia conversou, tentou convencer a mudar e ofereceu ajuda para isso. Karen lembra como era tratada e pontua que só o assistente social tinha essa atitude. “Eu ia tomar banho no projeto e ela segurava na minha mão e ficava assim: ‘Queria tanto que você viesse dormir aqui para não dormir na rua’. Eu sabia que não queria, que gostava de dormir debaixo da árvore, mas teve um dia que cansei.É raro alguém falar pra você mudar de vida e te estender a mão”, fala.

Em dezembro de 2023, Karen passou mais uma vez na sede do projeto para ver Sônia. Naquele dia, ela foi convidada para passar o Natal na casa do assistente social e por pouco não aceitou. Karen tinha comprado drogas, planejava usar assim que saísse do lugar, porém mudou de ideia.

Sonia fala sobre adoção e como Karen escolheu mudar de vida.  (Foto: Paulo Francisco)
Sonia fala sobre adoção e como Karen escolheu mudar de vida. (Foto: Paulo Francisco)

Ela vendeu uma droga e com o dinheiro comprou doces na padaria para um assistente social. Desde o Natal, a assistente social acolheu Karen que agora tem casa e uma cama quentinha para dormir. Os dias nas ruas, consumindo drogas, catando latinha e dormindo embaixo de árvores caídas para trás.

Ao lembrar desse dia em dezembro, ambas choram. “Eu sei que não sou uma pessoa perfeita, mas eu tenho um amor tão grande por ela”, declara Karen. Já assistente social relata como é ter ganho mais uma filha. “Eu falo que é um presente de Deus porque meu ninho estava vazio. Meus filhos todos casaram, perdi um na Covid e fui só eu e meu marido. Estou preenchendo meu ninho de novo, o filho do coração a gente não escolhe, Deus dá”, destaca.

Sobre o motivo de ter escolhido Karen, ela explica que a verdade não é bem assim. “Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. Muitas pessoas não aceitaram, várias pessoas que passaram por aqui, mas escolhem o mundo. Ela escolheu e aceitou a escolha de viver uma vida”, diz.

A intenção de Sonia é poder continuar ajudando pessoas como Karen através do projeto ADV. Agora, Karen planeja estudar e, assim como a mãe, ser assistente social.

Acompanhe o Lado B sem Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do Whatsapp (67) 99669-9563 (chame aqui).

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.

By admin

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *