Área seca no Pantanal, em 2019 (Foto: Luiz Felipe Mendez)

Não são de hoje as mudanças no fluxo natural de inundações não Pantanal de Mato Grosso do Sul. Maior proteção alagável do mundo, o bioma enfrentou transição de áreas antes de opções como úmidas para secas úmidas – ou subúmidas secas – ao longo dos últimos anos.

Na prática, isso quer dizer que a segurança aumentou porque tem chovido menos e a evapotranspiração é maior. Esse segundo processo é fundamental para o ciclo da água: por meio dele, a água da chuva que cai no solo e na vegetação retorna à atmosfera.

Mapeamento divulgado no mês passado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) revela que a alteração nessas áreas acontece entre o início da década de 1960 e 2020. É um intervalo de apenas 60 anos.

Arte: Lennon Almeida
Arte: Lennon Almeida

Acima, observa-se o surgimento de uma área alaranjada e o avanço da verde clara. Elas são a Bacia do Paraguai e a porção do Pantanal sul-mato-grossense, respectivamente. O contorno de cor quente também aparece numa pequena área ao norte do Estado do Rio de Janeiro, em mapa contido no estudo do Inpe e Cemaden.

Foi identificada ainda, pela primeira vez, uma área com características desérticas no Brasil. Ela fica no centro-norte da Bahia.

Todas as alterações apontadas estão relacionadas ao aumento da temperatura, efeito da crise climática que aumenta a evapotranspiração e eleva o índice de aridez do solo, segundo pesquisadores pelo documento.

Campos Alagados – Ó Pantanal tem ficado menos tempo embaixo d’água a cada ano. O monitoramento do MapBiomas que iniciou a coleta de dados em 1985 registrou grandes cheias até 2000, sendo que o tempo de alagamento e a área total de campos alagados diminuíram de lá para cá.

Esse fluxo de inundações e secas é o marcapasso do bioma. Toda vida cresce e morre em torno dele.

Pesquisador membro do MapBiomas, Eduardo Reis Rosa explica que o Pantanal já passou por um período histórico de segurança entre 1960 e 1970. Na década de 1980, isso foi regulamentado: “a gente tinha grandes cheias, em que o Pantanal ficou até seis meses debaixo d’água”, destaca.

Como fica o Pantanal em época de cheia (Foto: Divulgação/Viviane Amorim)
Como fica o Pantanal em época de cheia (Foto: Divulgação/Viviane Amorim)

Além dessa alteração no fluxo de águas, áreas antes cobertas por vegetação reduziram e passaram pelo processo de manipulação. Ele explica que isso é efeito do desmatamento, aumento das áreas de pastagem para bovinos e dos incêndios.

Nem é preciso voltar tanto não tempo para entender as consequências do fogo. Considerados tragédias para o bioma, os incêndios de 2020 consumiram 30% da área total do bioma em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso e produziram cenas tristes de animais carbonizados.

Soma de fatores – Sobre o surgimento de áreas mais secas no PantanalRosa afirma que não somente o que acontece por lá reflete nisso.

Classificado como região de barragem, o bioma em Mato Grosso do Sul está interligado à parte mais alta, a barragem mato-grossense do Pantanal e da Mata Atlântica da Amazônia. É nele que “caem” água e sedimentos vindos do lado de cima do mapa.

“Ó Pantanal não depende só dele mesmo, mas também do planalto. Aliás, depende muito mais do que chove no planalto para manter seu fluxo natural de inundação”, afirma. É o Rio Paraguai que recebe tudo isso. “Se ele não enche o suficiente, acaba que a chuva vem e só lava o Pantanal, sem inundar”, complementa.

Pequenas centrais hidrelétricas instaladas no planalto, atividades de mineração, falta de proteção das áreas verdes próximas aos rios e, de novo, o desmatamento são fatores de interferência humana que interferem seriamente no fluxo de águas do bioma.

Consequências – Uma delas é o repovoamento de espécies da fauna e flora do Cerrado no Pantanalao passo que as adaptadas às cheias começam a diminuir.

Aves buscando peixes para alimentação (Foto: Viviane Amorim)
Aves buscando peixes para alimentação (Foto: Viviane Amorim)

Outra é o aumento de oportunidades para desmatar. “Fica facilitado porque o Pantanal se torna mais acessível. Compram uma propriedade mais barata na barreira e vão abrindo para colocar pastagens, que são paisagens exóticas e não existem naturalmente no Pantanal”, explica Eduardo.

O assoreamento de rios e a falta d’água para os ribeirinhos, que já são realidade, poderá também se intensificar, acrescenta o membro do MapBiomas.

“Ó Pantanal está em processo de manipulação e a gente precisa tentar reverter essa situação”, finaliza.

Pode levar a desertificação – A probabilidade de haver desertificação em duas áreas montanhosas do Pantanalna Serra do Amolar e Morraria do Urucum, foi o que investigou o biólogo e doutor em tecnologias ambientais pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Dhonatan Pessi, durante sua pesquisa de doutorado.

Analisando os dados obtidos ao longo de quase 50 anos, chegou-se à conclusão de que houve alteração na vegetação presente nessas áreas específicas. Ela é distante, cresce mais lentamente e está distribuída de forma diferente.

Entre as espécies vegetais presentes, estão o capim-dourado e o capim-rabo-de-raposa, por exemplo. A primeira é utilizada para a produção de bonecas e artesanatos pelos ribeirinhos pantaneiros, inclusive.

Foto 1) Serra do Amolar;  Foto 2) Morraria do Urucum (Créditos: Reprodução/Instituto Homem Pantaneiro)
Foto 1) Serra do Amolar; Foto 2) Morraria do Urucum (Créditos: Reprodução/Instituto Homem Pantaneiro)

As mudanças na temperatura e nas alterações no período justificam as mudanças, na pesquisa de Dhonatan. Elas aconteceram especialmente nos últimos 15 anos analisados.

Quanto à desertificação, é uma hipótese levantada na pesquisa. “Sugerimos que isso possa ocorrer. Em qualquer área que não tenha um alto índice de ocorrência, pode haver desertificação. Se a ocorrência diminuir, cair muito, tanto pode haver alteração do tipo de precipitação ao longo do tempocomo também pode ocorrer a desertificação da área, que seria basicamente a ausência de vegetação”, conclui o biólogo.

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