Não dia 1º. de abril de 2021, em edição extra do Diário Oficial da União, foi publicada a Lei nº 14.132, acrescentando-se o artigo 147-A ao Código Penal, revogando-se o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais.

O crime consiste em “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

Assim, cometerá o delito, objetivamente, quem de maneira repetida e sistemática perseguir alguém, seguindo-o de perto, indo ao seu encalço, acossando-o, importunando a sua vida, incomodando a sua privacidade ou atormentando a sua paz e a sua tranquilidade.

Ao contrário do que consta no artigo 147, CP (crime de ameaça), o legislador preferiu dessa vez a forma livre para se referir aos meios de execução da conduta delituosa, optando por não os estabelecer expressamente. Obviamente, não foi a melhor escolha, afinal permitir-se-á interpretações demasiadamente ampliativas e abusivamente excessivas, contrariando o princípio que rege a interpretação das leis penais incriminadoras.

De toda maneira, fica induvidoso que, para a configuração do delito, é preciso que a perseguição seja eficaz grave, crível, idônea, verossímil, concreta e séria, capaz de atingir a liberdade física ou psíquica da vítima, além de sua tranquilidade pessoal, podendo ser uma perseguição explícita (clara) ou às escondidas (implícita ou velada), contanto que a vítima tome conhecimento da conduta, como veremos adiante. Assim, simples e infundadas ilações ou mesmas manias de perseguição, não legitimarão a intervenção do direito penal que, como se sabe, é regido pelo princípio da intervenção mínima.

Conduta de maneira reiterada – Ressalta-se a exigência legal de que a perseguição dê-se de maneira reiterada, impedindo-se a configuração do tipo penal quando a conduta para a movida, eventualmente, por um sentimento súbito de raiva ou de cólera momentânea, em evidente desequilíbrio emocional, ou mesmo em estado de embriaguez. Inclusive porque, passado aquele instante anormal de ânimo ou, no segundo caso, recuperada a consciência, certamente cessará a busca, fruto que foi de inopino. Desse modo, para a configuração do delito exige que o sujeito ativo, no momento da conduta, esteja com ânimo sereno, frio e calmo.

Como se vê, trata-se de infração penal cujo bem juridicamente protegido é, sobretudo, a liberdade individual, mas também a tranquilidade pessoal, a privacidade e a paz interior, protegendo-se, a um só tempoa liberdade psíquica e a liberdade física da pessoa humana, bem jurídica, aliás, tutelada pela própria Constituição.

Como sujeitos (ativo e passivo) podem ser consideradas quaisquer pessoas; no entanto, caso a vítima seja criança, adolescente, idoso ou mulher (em razão da condição de sexo feminino), a pena será aumentada de metade. Observa-se que a lei brasileira considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompleta, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade, nos termos do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Por sua vez, considere-se-á idoso como pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, conforme artigo 1º, da Lei nº 10.741/03. Por fim, existem “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição da mulher (artigo 121, § 2º.-A, do Código Penal).

Ainda na relação ao sujeito passivo, é preciso que o ofendido seja “alguém”, isto é, uma pessoa física determinada, razão pela qual a indeterminação da(s) vítima(s) impede a configuração da infração penal. No entanto, não impede o fato da perseguição ser feita a um determinado grupo de pessoas individualmente incertas, mas identificadas coletivamente, como, por exemplo, contra uma torcida organizada de um tempo de futebol.

Não se admite que uma pessoa jurídica possa ser vítima do delito, por lhe faltar, evidentemente, a possibilidade de gozo da liberdade psíquica ou física, sendo absolutamente incapaz de sofrer qualquer abalo em sua tranquilidade pessoal. Neste caso, poderão ser considerados ofendidos, eventualmente, as pessoas físicas que sejam específicas, configurando-se um caso de concurso formal de crimes com designs independentes (artigo 70, segunda parte, do Código Penal).

Importante ressaltar que, sendo o sujeito ativo qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundamental de quaisquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios de território, a conduta poderá consistir em crime de abuso de autoridade, nos termos da Lei nº 13.869/19.

O elemento subjetivo do injustiça penal é o dolo (direto ou eventual), ou seja, a vontade livre e consciente de perseguir alguém, perturbando-lhe a liberdade física ou psíquica e a sua tranquilidade, não se exige um resultado específico, pois não se trata de crime material (na classificação tradicional), exigindo-se, tão somente, que se comprove, induvidosamente, a intenção do agente de perseguir o ofendido. Não há, portanto, fale-se em exigência de elemento subjetivo específico para a configuração do tipo penal. A propósito, caso o agente, por erro, acredite que está gerido legitimamente (secundum jus), excluindo-se a responsabilidade penal.

Quando o crime é consumado – A consumação do delito dar-se-á quando a vítima, efetivamente, tomar conhecimento da perseguição, tendo a sua privacidade, a sua tranquilidade ou a sua liberdade (física ou psíquica) seriamente perturbada. Assim, caso a vítima desconheça a perseguição, inexiste crime consumado, podendo ser caracterizada pela investigação, mas, na prática, será de difícil configuração. De toda maneira, como se trata (conforme veremos adiante) de crime de ação penal pública condicionada, se a vítima oferece a representação, evidentemente, o crime consumiu-se, pois o ofendido tomou conhecimento da perseguição. Nada obstante, trata-se de crime permanente, considerando-se a durabilidade da violação da norma.

Relevante notar que o tipo penal caracteriza-se por sua subsidiariedade, restando envolvido quando para elementar de outro crime ou meio de execução para a prática de conduta penal mais grave. Assim, se a perseguição não é um fim em si mesma, mas um crime-meio, não subsiste crime independente, podendo a conduta vir a constituir elemento (essencial ou acidental) de outro tipo penal, como, por exemplo, constrangimento ilegal (artigo 146, CP), homicídio (artigo 121, CP), roubo (artigo 157, CP), extorsão (artigo 158, CP), estupro (artigo 213, CP), abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19), crime contra como relações de consumo (artigo 71 da Lei nº 8.078/90), etc. Nestes casos, sempre haverá um crime único.

Ressalta-se, neste aspecto, que a lei determina a aplicação da pena sem prejuízo da sanção penal correspondente à violência, ou seja, resultante da perseguição à prática de violência (que não constitui, por si só, um crime-fim), estar -se-á diante de concurso formal de crimes com eventuais lesões corporais leves ou graves, com aplicação cumulativa de penas.

Conforme a doutrina tradicional, o delito pode ser classificado como crime comum (no que diz respeito aos sujeitos, ressalvando-se a possibilidade do crime de abuso de autoridade), de execução livre (a lei não estabelece o meio pelo qual se realiza a perseguição , ressaltando-se a impropriedade da previsão genérica), subsidiário (conforme exemplificado acima), unissubjetivo ou plurissubjetivo (pode ser praticado por uma só pessoa ou mais de uma), plurissubsistente (exige-se a prática de atos reiterados de investigação), formal (o que não impede, apesar de raro, a possibilidade de tentativa) e comissivo próprio (afinal, perseguir pressuposições de ação).

Quanto à ação penal, trata-se de crime que exige a representação da vítima, ainda que se trate de crime praticado em situação de violência doméstica e familiar.

A pena prevista é de reclusão de seis meses a dois anos, e multa, prevenindo-se uma majorante (quando a pena será aumentada de metade) se o crime por crime contra criança, adolescente, idoso ou mulher (em razão da condição de sexo feminino); mediante concurso de duas ou mais pessoas; ou com o emprego de arma (seja ou não de fogo).

Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, pois se trata de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, fato que impede a substituição, conforme estatui o artigo 44, I, do Código Penal.

Considerando-se que se trata de crime de menor potencial ofensivo, a competência caberá ao Juizado Especial Criminal, observando-se o procedimento sumaríssimo previsto no artigo 98, I, da Constituição e na Lei nº 9.099/95, permitindo-se a composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo, não sendo o caso, em regra, de lavratura do auto de prisão em flagrante (artigos 69, 72, 74, 76 e 89 da referida lei), salvo quando se tratar de crime praticado em situação de violência doméstica e familiar (em razão do artigo 41 da Lei nº 11.340/96) e no caso da incidência da majorante acima referida, tendo em vista a causa de aumento de pena que deve ser levada em consideração, aumentando-se a pena máxima cominada abstratamente.

Já a competência territorial para o processo será a do local onde o crime se consuma, nos termos do artigo 70 do Código de Processo Penal. Nenhum caso incomum de tentativa, nenhum lugar onde foi praticado o último ato de execução; de toda maneira, tratando-se de crime permanente, aplique-se-á o artigo 71 do CPP (competência por prevenção).

Rômulo de Andrade Moreira é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador (Unifacs).

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