Entre uma lista de filmes e séries brasileiros auspiciosos exibidos em Berlim, “Cidade; Campo” – o mais recente da diretora de arte Juliana Rojas – estreou mundialmente na segunda-feira, sendo exibido no âmbito da vertente Encontros que visa “promover trabalhos esteticamente e estruturalmente ousados ​​​​de cineastas independentes e inovadores”, segundo o festival.

Apoiado pelo Dezenove Som e Imagem do Brasil e Globo Filmes em conjunto com a Good Fortune Films da França e o Sutor Kolonko da Alemanha, a narrativa vagamente mística conta duas histórias de realocação díspares, fundidas por saudade, tristeza e uma estética estimulante. O The Open Reel da Itália lida com vendas internacionais.

“Na Globo Filmes é uma delícia participar da coprodução de ‘Cidade; Campo.’ Juliana Rojas se destaca como uma cineasta inovadora, oferecendo uma perspectiva crucial sobre o Brasil contemporâneo. Juliana explora de forma intrincada o papel da mulher em uma sociedade carregada de opressão”, disse Simone Oliveira, presidente da Globo Filmes. Variedade.

“Renovar nossa parceria com Dezenove Som e Imagem e Juliana, colaboradoras do aclamado ‘Boas Maneiras’, amplia nosso compromisso com a diversidade, enfatizando tanto a riqueza temática quanto potencializando colaborações com cineastas femininas. Nossa busca abrange narrativas audaciosas, linguagens inovadoras e a exploração inclusiva de temas LGBTQIAP+”, acrescentou.

Desde sua criação com títulos vencedores do Cannes Discovery Award, “A Stem” de 2007 e “Doppelgänger” de 2012, até o título vencedor do Prêmio Especial do Júri de Locarno “Good Manners”, Rojas tem desfrutado do apoio constante de Dezenove, de Sara Silveira, que reforçaram a sua abordagem hábil de centrar a condição feminina, em todas as suas formas complexas.

“Juliana é sócia desde o início da carreira. Este novo longa-metragem também faz parte dessa jornada. Acompanha sua trajetória, abordando questões sociais, as lutas das mulheres e como elas enfrentam com coragem seus desafios, buscando caminhos e respostas. O filme retrata bem isso”, afirmou Silveira.

“O importante é fazer desse cinema, que é o cinema de mulheres, o cinema feminino, um cinema de resistência, e hoje está bem representado na seleção da 74ª Berlinale, o que nos deixa muito felizes e contentes, e nos permite mostrar o trabalho de Juliana. trabalho diversificado”, acrescentou ela.

Rojas, tendo trabalhado anteriormente em produções predominantemente femininas, admite que este projeto lhe ofereceu a oportunidade de dar vida a um conjunto cada vez mais ambicioso de temas num ambiente repleto de talentos que alimentou a sua criatividade.

“Ao trabalhar em um ambiente predominantemente masculino, muitas vezes há um sentimento de desconfiança em relação ao trabalho, mesmo para um diretor com formação mais consistente, e isso pode ser bastante desgastante. Neste projeto foi muito importante colaborar com pessoas que senti que admiravam muito o meu trabalho anterior e confiavam nas minhas escolhas, na minha intuição. Sinto que todos da equipe tiveram uma ligação profunda com os personagens, lugares e temas que cercam o filme, e isso facilitou nosso diálogo. Pude fazer um trabalho muito interessante na concepção visual do filme, principalmente em conjunto com a designer produtora (Juliana Lobo) e as DOPs (Cris Lyra e Alice Andrade Drummond). Nosso objetivo era criar imagens diferentes que refletissem nossos pontos de vista específicos”, ela retransmitiu.

O filme começa quando um ônibus entra no congestionamento da cidade. Casas empilhadas ao longo de uma estrada estreita, os edifícios estendem-se por quilómetros, sem fim para os aglomerados de betão à vista. Desde o primeiro momento, o sufoco aqui é palpável. Entra Joanna (Fernanda Vianna), recentemente desalojada de sua serena propriedade rural após enchentes brutais. Ela busca refúgio com a irmã Tânia (Andrea Marquee) e o neto Jaime (Kalleb Oliveira) até conseguir recuperar sua independência.

No extremo oposto do filme, o amoroso casal Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer) rola em uma extensão de terra rural carregada de neblina e assustadoramente vazia para resolver os assuntos do pai recentemente falecido de Flávia, que incluem a herança de uma casa isolada, morada possivelmente encantada.

O conforto é árduo enquanto o protagonista mergulha para dentro para dar sentido aos sentimentos estranhos sentidos ao tentar se ajustar às suas expectativas.

“O filme vem de um lugar muito pessoal. Meus pais são do interior, mas cresci na cidade. Sempre foi marcante para mim observar, nos meus familiares, essa complexidade na mudança do seu ambiente e na ligação com o seu local de origem. Este movimento migratório é o coração do filme, daí a escolha de contá-los em duas partes, que estão ligadas apenas tematicamente. É um filme sobrenatural existencialista, que fala sobre os movimentos da vida.” Rojas admitiu.

A narrativa flerta com a resiliência esperada dos protagonistas, induzindo-os a uma grande emoção, a uma curiosidade morna sobre sua herança e o que é necessário para começar do zero. Algumas cenas funcionam como sonhos acordados, alucinações e profecias iluminando trabalhos e amores perdidos. Estas histórias de adaptação dão forma a uma discussão mais ampla, essencial à medida que o mundo muda através de desastres naturais, crises económicas e convulsões políticas.

“Dois temas importantes que conectam as histórias são a ligação dos personagens com sua ancestralidade e local de origem, e a possibilidade de resistência e reinvenção. O sentimento que buscamos no filme tem muito a ver com o momento que vivemos, a incerteza quanto ao futuro”, explicou Rojas.

“Em um mundo que caminha para um apocalipse climático e um cenário cada vez mais desigual, social e politicamente complexo, como é possível que esses personagens sobrevivam, existam e amem? Historicamente, sabemos que as mulheres têm um potencial de resistência impressionante, mas algo que buscamos foi que, apesar de serem personagens fortes, as atrizes não perdessem a humanidade.”

Traumas não resolvidos e um desejo de encerramento encerram cada história, enquanto as mulheres enfrentam pensamentos saturados sobre a vida que deixaram para trás, as vidas que estão preparadas para acolher. Rojas infunde no roteiro sua própria experiência e acena para sua linhagem, pedaços da história de seus pais incluídos no projeto.

“Um dos temas mais importantes do filme é o processo de luto dos protagonistas e a compreensão do próprio passado para viver um futuro incerto. Isso vem, em parte, do meu próprio processo de luto após a morte do meu pai e da tentativa de entender mais sobre as minhas raízes”, afirmou Rojas.

“Tentei colocar um pouco dos meus pais nas duas partes. A minha mãe escreveu a música que a Joana canta na primeira parte. Há muito do meu pai no pai da Flávia. Ele também era de ascendência Guarany, e a origem de sua família é um grande mistério para mim, devido à violência e ao apagamento que os indígenas sofreram em meu país desde a ocupação e colonização.”

“O filme também foi influenciado e transformado pelo momento em que foi produzido – a pandemia de COVID e o governo Bolsonaro, onde havia um sentimento de desesperança e apocalipse iminente. De certa forma, também foi uma espécie de processo de luto.”

O elenco, com diálogos poderosos, também foi encarregado de expressar emoções ferozmente sem palavras, trazendo para a tela cada grama de ansiedade, tristeza, saudade e alegria moderada de seus personagens. Uma vantagem que Rojas atribui a um “processo colaborativo que envolve compartilhar as motivações e referências que me levaram a criar o roteiro, e construir juntos a gênese dos personagens para valorizar as cenas já escritas”.

“Gosto muito de iniciar o processo com o trabalho de mesa, que consiste na leitura do guião mas também na leitura de poemas ou outros textos que ressoem com o sentimento do filme. Conversamos muito e compartilhamos experiências pessoais que nos conectam às histórias. Durante o ensaio trabalhamos todas as cenas, e também trabalhamos com improvisações para construir a dinâmica dos personagens. Nesse processo acabei incorporando alguns elementos ao roteiro de filmagem, alterando alguns diálogos e incorporando gestos”, completa.

“Foi um prazer ver o filme tomar forma e ver como esses personagens se estabeleceram. O filme foi montado por Cristina Amaral, uma das figuras mais importantes do cinema de autor brasileiro, e foi um grande aprendizado, uma grande aventura criar as cenas com ela.”

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