A miocardiopatia periparto se manifesta na forma de insuficiência cardíaca (CI) em mulheres que estão no último mês de gestação ou nos primeiros meses pós-parto e é causa de complicação em um a cada 2 mil nascimentos no mundo.

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A morbimortalidade é alta, muitas vezes com necessidade de dispositivos de assistência ventricular (DAV) ou transplante cardíaco e, mesmo assim, a mortalidade chega a 20%. Alguns fatores de risco já foram identificados, como doença hipertensiva da gestação, presente em 33% a 50% dos casos, gestações múltiplas, idade materna avançada e anemia, porém muito ainda não se sabe sobre essa doença. Abaixo segue os principais pontos publicados em uma revisão recente sobre o assunto.

Apresentação clínica e avaliação da miocardiopatia periparto

As pacientes se manifestam com IC, ou seja, dispneia, ortopneia, turgência jugular, estertores crepitantes e edema, geralmente após o parto (60% a 90% dos casos), sendo a maior ocorrência na primeira semana. A suspeita diagnóstica deve estar presente, já que a maioria desses sintomas pode ocorrer pela própria gestação. Uma forma de apresentação menos comum, mas catastrófica, é o choque cardiogênico.

O diagnóstico é de exclusão e o diferencial inclui doença estrutural prévia, edema pulmonar induzido por pré-eclâmpsia na ausência de disfunção sistólica, embolia pulmonar, dissecção espontânea de coronárias, uso de álcool e toxicidade por quimioterapia. O ecocardiograma documenta disfunção sistólica e ausência de cardiopatias estruturais.

Não há um biomarcador específico, porém os níveis de BNP costumam ser aumentados, o que pode auxiliar no diagnóstico, já que, na gestação normal, não se alteram. Também podemos encontrar algumas alterações nos exames complementares: o eletrocardiograma costuma mostrar taquicardia sinusal e a radiografia de tórax congestão pulmonar, porém são alterações inespecíficas. A ressonância cardíaca pode auxiliar na avaliação estrutural e funcional.

Patogênese

A causa da miocardiopatia periparto não é completamente compreendida, porém pode-se considerar que é como se houvesse uma resposta alterada a um teste de estresse hemodinâmico, representado pela própria gestação, já que esta leva a um aumento do volume de sangue materno, do débito cardíaco e da massa cardíaca a partir do segundo trimestre. Porém a manifestação da doença é discordante do momento em que ocorrem as principais alterações hemodinâmicas.

Nos últimos anos, surgiu uma nova hipótese, que sugere que a doença seja desencadeada por hormônios provenientes da hipófise e da placenta no período periparto. Alguns desses hormônios são a prolactina, ocitocina, sFLT-1 e activina A.

Também parece haver suscetibilidade genética e 15% das mulheres acometidas têm perda de função de variantes genéticas, heterozigóticas, semelhantes às alterações encontradas na miocardiopatia dilatada não isquêmica, o que sugere que podem ser espectros diferentes da mesma doença. Dois terços das variantes genéticas identificadas estão relacionadas ao gene TTN, que codifica a proteína titina.

Outros mecanismos sugeridos são autoimunidade e microquimerismo, porém os dados sobre esses assuntos são limitados.

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Manejo e estágios

Existem poucos estudos avaliados que avaliaram tratamentos específicos e nenhum resultado conclusivo. Assim, o tratamento atual é extrapolado do tratamento de outras miocardiopatias dilatadas e IC FER. Para o controle da volemia utilize-se diuréticos e nitrato, com cautela devido à hipotensão caso a paciente ainda esteja grávida.

O bloqueio do sistema renina angiotensina aldosterona pode ser utilizado após o parto, porém não antes e uma alternativa para controle da pós-carga é hidralazina e isossorbida. Já os betabloqueadores são indicados e seguros, mesmo durante a gestação. Ainda não há dados disponíveis em relação a sacubitril-valsartana e inibidores do SGLT2, porém estes vêm sendo usados ​​após o parto.

No geral, o tratamento periódico é benéfico, pois os pacientes são jovens e geralmente têm recuperação da função ventricular. Assim, se necessário, deve-se utilizar suporte circulatório mecânico, como balão intraórtico, outros DAV percutâneos ou membrana de oxigenação extracorpórea (ECMO). A gestação por si só gera efeito pró-trombótico e atenção especial deve ser dada a eventos tromboembólicos, que ocorrem em 5% a 20% dos casos.

O parto deve envolver uma equipe multidisciplinar com obstetra com experiência em medicina materno-fetal, anestesiologista, cardiologista e especialista em CI, principalmente quando um paciente estiver instável. Pacientes com resultados podem ter parto vaginal e lactação não são contraindicados.

A bromocriptina, que inibe a liberação da prolactina pela pituitária vem sendo científico e pode ser utilizado quando a FEVE é menor que 35%. Os resultados dos estudos atuais são controversos, porém parecem haver benefício desta medicação. Há um estudo maior em andamento que traz mais respostas.

Em relação à amamentação, é considerado seguro e o risco e benefício da bromocriptina ou suspensão da medicação devem ser avaliados com cuidado.

O estágio é bastante variável e melhor nos países desenvolvidos. Na maioria, uma parcela da ejeção do ventrículo esquerdo aumenta para valores maiores que 50% em seis meses, porém, algumas vezes pode demorar mais tempo ou não melhorar e até 10% dos casos detectados de DAV ou transplante. A mortalidade geral é de até 20% e é maior em países de baixa renda e mesmo os pacientes transplantados têm mortalidade maior que os transplantados por outras causas.

Alguns indicadores de pior prognóstico são apresentados tardiamente, mais de 1 semana após o parto, realce tardio por gadolínio na ressonância, dilatação do ventrículo esquerdo e disfunção do ventrículo direito.

A recorrência ocorre em 10% a 50% dos casos e uma segunda gestação pode ter desfechos piores. Além disso, o impacto dessa doença é muito importante, tanto para o paciente, quanto para a família e até metade das mulheres acometidas têm critérios para depressão ou estresse pós-traumático.

Comentários e conclusões

Nos últimos anos tivemos algum avanço no entendimento da miocardiopatia periparto, porém as pesquisas nesta área ainda são desafiadoras e não há nenhuma tratamento específico com grande benefício documentado. Assim, ainda há muito o que entender sobre essa doença, sem intenção de preveni-la e melhorar o prognóstico desses pacientes.

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