Das 278 internas no maior presídio feminino de MS, apenas 12 recebem visita íntima dos companheiros

Interna se abraça aos filhos: alegria do reencontro se verte em dor pela despedida. (Foto: Marcos Maluf)

Se solidão e saudade são palavras femininas, a extensão do dolorido significa se amplificar dentro dos muros da penitenciária maior para mulheres em Mato Grosso do Sul.

Numa sala do Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi”, em Campo Grande, os sentimentos ganham forma em três crianças abraçadas a mãe, num afeto coletivo, banhado por lágrimas, acumuladas em dois anos de distância física.

As meninas e o menino, que rodeiam uma presa de 34 anos, também estão na fotografia que dorme todos os dias com a mãe, que se aconchega ao retrato nas noites passadas em uma cela.

As crianças até poderiam visitar a unidade penal a cada segundo domingo do mês, mas a mulher não acha que seja boa para os filhos, que sofre muito na despedida.

Na manhã de quinta-feira (dia 7), ela participou da visita assistida, num horário fora da visitação comum e uma medida para que não se perdessem os laços familiares.

No cárcere, as visitas às mulheres são escassas diante do que se vê no complexo penal masculino, onde esposas, namoradas e mães cumprem rotina de preparar o prato preferido e se postar, religiosamente, na porta do presídio.

Os números importantes para dar a dimensão dessa solidão feminina atrás das notas. São 278 internos e 75 familiares adultos cadastrados para a visita, além de 30 crianças.

Refinando os dados, chega-se ao total de 16 inscritos para o contato íntimo (a visita íntima), sendo quatro casais homossexuais. Ou seja, são 12 homens que mantêm laços afetivos com parceiras encarceradas.

A unidade feminina tem portas abertas para os visitantes, mas até por questão econômica a mulher prefere “segurar o rojão sozinha”, com recebimento de que os custos com transporte, por exemplo, faça falta no orçamento doméstico de quem fica com as crianças.

“A saudade é muito difícil”

O beijo de batom deixado pela filha na bochecha da mãe de 34 anos, preso por tráfico.  (Foto: Marcos Maluf)
O beijo de batom deixado pela filha na bochecha da mãe de 34 anos, preso por tráfico. (Foto: Marcos Maluf)

Bastante emocionada por ter visto três dos seis filhos, uma interna de 34 anos conta que há duas noites mal dormidas diante da emoção do reencontro. “Foi o meu presente, no dia 29 é meu aniversário de 35 anos. Eu já cheguei chorando. Mas não é bom que eles venham, você viu o jeito que eles ficaram? A saudade é muito difícil”.

O motivo da sua terceira passagem pelo presídio é o tráfico de drogas, crime que leva 90% das mulheres ao regime fechado.

De chinelos brancos, calça jeans e o chamativo alaranjado da camiseta do uniforme, ela traz no rosto a marca de batom deixada pelo beijo de uma das filhas. Sobre as três prisões, defina que o motivo foi “sem-vergonhice”. Um dos muitos nomes populares que sofrem de doença por dependência química.

Mulher tem seis filhos, mas nenhum recebe pensão dos pais.  (Foto: Marcos Maluf)
Mulher tem seis filhos, mas nenhum recebe pensão dos pais. (Foto: Marcos Maluf)

Já vim duas vezes e essa é a que estou mais tempo sem ver meus filhos. As prisões foram por droga. Estava vendendo, usando, tudo. Foi sem-vergonhice né, eu tinha de tudo. Comecei a usar, vender, varava a noite no meio de droga. Tem dois anos que estou sem usar”.

O pai dos três filhos mais novos também está preso por tráfico de drogas. Eles conversaram por meio de carta. Dos seis filhos, nenhum recebe pensão dos pais para ajuda nos custos. “Antes ser presa, eu peguei o Bolsa Família e deixei para a minha tia que tem a guarda”.

Trabalhando no setor de limpeza, ela espera sair do regime fechado em breve e seguir com o tratamento para dependência química. A Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) encaminha a presa que aceita o atendimento para comunidade terapêutica.

“A gente faz um calendáriozinho e vai arriscando”

Interna (de uniforme laranja) conversa com psicóloga no presídio feminino.  (Foto: Marcos Maluf)
Interna (de uniforme laranja) conversa com psicóloga no presídio feminino. (Foto: Marcos Maluf)

Dentro da camiseta alaranjada com as inscrições EPFIIZ, como inicial do estabelecimento penal, uma mulher de 37 anos se emociona ao falar dos filhos. Os adolescentes de 17 e 13 anos estão num abrigo em Cassilândia, a 419 km de Campo Grande. A distância é vencida com visitas virtuais, pela tela do notebook, uma vez por mês.

Ela está na segunda prisão por tráfico de drogas. “Dessa última vez, a droga nem era minha. Meu sobrinho que passou e deixou, mas como eu era reincidente. Da primeira vez, um menino pagou para eu dirigir um carro com 68 quilos de maconha”.

Como também já vendi cigarros contrabandeados diz que preparou os filhos de maneira diferente do que fez de errado. Mas não se preparou para tanta saudade.

Presa relata que conta os dias para a visita virtual dos filhos.  (Foto: Marcos Maluf)
Presa relata que conta os dias para a visita virtual dos filhos. (Foto: Marcos Maluf)

Amanhã é o dia de ver eles. Eu já comecei a ficar ansioso desde hoje. Quando falta um dia eu marco lá na folhinha e fico lá contando. Todo mês eu vou arriscando a folhinha. A gente faz um calendáriozinho lá dentro e vai arriscando, contando os dias”.

Vinda do Paraná, ela morreu por três anos em Cassilândia. Sem parentes em MS, nunca recebe visitas.

“Tráfego por amor”

Ao longo dos últimos sete anos, o cenário do “tráfico por amor”, quando uma mulher entra no crime cooptada pelo parceiro amoroso, foi se transformando. Quando presas, elas contam que decidiram revender entorpecentes por motivo financeiro, principalmente como fonte de renda para manter a família.

Visita virtual no maior presídio feminino de Mato Grosso do Sul.  (Foto: Marcos Maluf)
Visita virtual no maior presídio feminino de Mato Grosso do Sul. (Foto: Marcos Maluf)

“Na escuta psicológica, o que elas mais comentam é que foi devido à necessidade de sustentar e dar educação para os filhos. A mulher hoje é protagonista tão que até no crime ela gerencia, ela tem uma logística de atuação. Inicialmente, eles foram sim orientados e fizeram o tráfico a pedido do esposo, do parceiro amoroso. Mas hoje elas já estão liderando essa situação, motivadas para educação, manutenção e sobrevivência da família”, afirma a psicóloga Liléia Souza Leite.

“Elas se sentem constrangidas”

Na sala de atendimento – ornamentada por motivações motivadas e muitas lembranças de artesanato, presente das internacionais – uma constatação profissional de que as mulheres ficam mais sozinhas durante o cumprimento da pena.

“Ou o marido está preso, ou eles são separados. Muitas não querem que o filho venha visitar porque não consideram saudáveis ​​as crianças virem ao presídio. A mulher tem vários papéis construídos socialmente: mãe dona de casa, trabalhadora, esposa. Aqui dentro, eles ficam muito vulneráveis ​​porque eles não têm mais diretamente o controle sobre todos os papéis. O que é notável é que as internacionais que não recebem visitas de seus familiares ou notícias têm maior adoecimento. Se sente desamparada, sozinha, não se sente amada. O que vai causar distúrbio de humor, crise de ansiedade”, afirma a psicóloga.

O setor psicossocial busca aproximar-se do interior dos familiares. A visita presencial de adultos é duas vezes por mês (primeiro e segundo terceiro domingo), as crianças podem entrar no domingo.

Além da modalidade presencial, há visitas virtuais, visita assistida (específica para crianças) e troca de correspondência.

Psicóloga (de preto) e interna (laranja) durante o atendimento.  (Foto: Marcos Maluf)
Psicóloga (de preto) e interna (laranja) durante o atendimento. (Foto: Marcos Maluf)

“A mulher privada de liberdade se preocupa em garantir que a família esteja bem. Quando uma visita vem, os recursos são compreendidos e podem ser que faltam para a mãe, a irmã, para o lanche das crianças. E também o sofrimento da mãe, do filho vir dentro de uma prisão. Elas se sentem constrangidas com essa situação. Então, até nesse detalhe elas se doam. É uma contradição muito grande: quero que minha família esteja bem, mas me sinta sozinha”.

O presídio tem equipe multidisciplinar: médica clínica geral, médica psiquiatra, duas enfermeiras, uma técnica de enfermagem, um odontólogo, um auxiliar de saúde bucal, três assistentes sociais e uma psicóloga.

Dentre as peças da aula de cerâmica, presa deixou um pássaro para sonhar com liberdade.  (Foto: Marcos Maluf)
Dentre as peças da aula de cerâmica, presa deixou um pássaro para sonhar com liberdade. (Foto: Marcos Maluf)

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