Ivo (Minna Wündrich) passa seus dias cuidando de pacientes terminais. Na sua qualidade de enfermeira de cuidados paliativos, ela não é responsável por salvá-los – essa é a preocupação dos médicos – embora esta mãe solteira de 40 anos faça o seu melhor para ouvir as suas queixas e aliviar a sua dor. Pode ser uma experiência desgastante, tanto física quanto emocionalmente, e Ivo às vezes quebra as regras de maneiras que a tornam ao mesmo tempo mais identificável e menos santa do que seu trabalho pode sugerir.

Com “Ivo”, escritor e diretor Eva Trobisch não se detém na moralidade das escolhas da personagem-título, concentrando-se mais na tensão entre o otimismo desta mulher e o peso do seu trabalho. O drama observacional e duro de Trobisch se baseia na promessa de sua estreia em 2018, “All Is Good”, sobre uma jovem determinada a não deixar uma agressão sexual atrapalhar sua vida. Aqui, a cineasta alemã oferece outro retrato despojado e totalmente nada sentimental de alguém dominado pelos sentimentos que mantém reprimidos dentro de si.

Embora os dois personagens sejam bastante diferentes, há uma consistência na abordagem de Trobisch que a marca como uma nova voz importante. Nomeado um dos VariedadeDiretores a serem observados no início deste ano, ela ganhou o Prêmio Heiner Carow na Berlinale – um prêmio destinado a pilotos alemães emergentes. Com “Ivo”, este inegável novo talento coloca uma questão simples mas essencial: Quem cuida dos cuidadores?

Ivo não tem ninguém para proporcionar o conforto que ela dá aos outros – uma triste ironia quando se considera que saber que ela está sendo observada por um público empático pode aliviar a profunda solidão que ela experimenta. Por outro lado, se Ivo fosse o tema de um documentário, ela sem dúvida adaptaria seu comportamento à equipe de filmagem, enquanto a abordagem documental adjacente de Trobisch (que coloca Wündrich ao lado de não-atores) parece mais honesta. Embora roteirizada, a vida de Ivo parece genuína, feita de detalhes confusos e aparentemente mundanos.

Na maioria das vezes, ela aparece como uma heroína anônima em uma profissão ingrata. Mas não sempre. Em uma cena, Ivo se injeta analgésicos destinados a um paciente, para ficar entorpecido. Em outro, ela navega pelos perfis de um aplicativo de namoro, zombando daqueles que procuram conexão – é a distração que ela procura. Ela escolhe um estranho, encontra-se com ele em um bar e depois mente, dizendo que precisa voltar para casa para a babá quando estiver farta. Na verdade, a filha de Ivo já tem idade para ser independente, fazendo preparativos para sair de casa que sinalizam outra forma de perda para uma mulher que está constantemente rodeada por isso.

O filme acompanha Ivo em suas rondas, visitando vários pacientes enfermos nas casas onde eles combinaram receber seus cuidados. Ao fazê-lo, Trobisch chama a atenção do público para um assunto que a maioria de nós prefere esquecer, enquanto o estilo de edição recortado – que salta rapidamente entre as cenas – força abruptamente o público a se reorientar para cada nova situação que surge. Essa tática coloca os espectadores na posição de tentar dar sentido a certos padrões, já que o rosto de Wündrich e o espaço recorrente do seu carro – um casulo móvel onde ela faz pausas para cantar, fumar e chorar entre compromissos – proporcionam uma espécie de continuidade.

Trobisch apresenta a vida de Ivo em pedaços, e nem sempre na ordem mais conveniente para criarmos sentido. Logo no início, ela apresenta uma mulher com doença degenerativa chamada Solveigh (Pia Hierzegger), que parece mais jovem que os outros pupilos de Ivo. Muito mais tarde, ficamos sabendo que ela e Ivo são amigos há anos, o que complica a dinâmica, assim como o desejo de Sol pelo suicídio assistido, que vai contra tudo o que o ramo de trabalho de Ivo representa. Mais complicado ainda, Ivo está tendo um caso com o marido de Sol, Franz (Lukas Turtur).

Depois de 20 minutos retratando Ivo como um profissional total, Trobisch nos leva a um quarto de hotel onde combinou um encontro com Franz. É uma cena casual e surpreendentemente franca – que lembra um encontro semelhante em outro filme alemão recente, “Toni Erdmann” – que complica da melhor maneira possível a nossa percepção de Ivo. Durante o resto do filme, ela é uma mulher de segredos. Ela quer honrar os desejos da amiga, mas não está desinteressada.

A certa altura, Ivo diz à esposa de outro paciente, que está paranóica com a possibilidade de seu marido moribundo reescrever seu testamento para deixar tudo para Ivo, que os cuidadores não estão autorizados a aceitar legados, legal ou eticamente. Mas e esta situação, em que Ivo se prepara para “herdar” uma amante após o falecimento de Sol? O filme aborda essa questão do começo ao fim, realizando multitarefas no relacionamento deles junto com as outras responsabilidades de Ivo. Trobisch não é um contador de histórias especialmente centrado na trama, o que torna esse espinhoso triângulo amoroso o fio condutor mais atraente do filme. A morte é uma parte normal do trabalho de Ivo, mas aqui ela é colocada na terrível posição de antecipar a morte de um amigo, meio que esperando que isso possa significar um novo começo em sua própria vida.

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