A insuficiência tricúspide (IT) é uma condição relativamente frequente, com incidência de 5 a 20% nos Estados Unidos, e geralmente ocorre de forma concomitante com a doença mitral ou aórtica, que acaba sendo o foco do tratamento.

Quanto mais grave a insuficiência, maior a morbi-mortalidade. O manejo clínico é um desafio e sempre foi limitado a otimização volêmica com uso de diuréticos. A intervenção cirúrgica tem altas taxas de morbi-mortalidade, porém nos últimos anos foram divulgadas algumas novas opções de intervenção percutânea.

Recentemente foi publicada uma revisão sobre o tratamento da TI. Abaixo seguem os principais pontos.

Considerações anatômicas

A tricúspide é a valva cardíaca maior e fica na posição mais anterior e apical. É formado por quatro componentes: anel fibroso, 3 folhetos (anterior, posterior e septal), dois músculos papilares e cordas tendíneas. O anel tricúspide é bastante dinâmico e muda sua morfologia a depender de alterações de pressão intra-cardíacas.

Definições

A IT pode ser primária ou secundária:

– IT primária correção de alterações intrínsecas do aparelho valvar. Geralmente é causado por endocardite, degeneração ou prolapso, insuficiência de prótese valvar, cabos de dispositivos e outros.

– IT secundária, também chamada de funcional, decorrente de dilatação do anel ou disfunção de corrente de remodelamento do ventrículo direito (VD). É mais comum e tem como etiologias doença do ventrículo esquerdo (VE), alterações dos átrios, doença pulmonar, doença do VD e doenças pericárdicas. Tem pior morbi-mortalidade, pois os pacientes são mais idosos, com mais comorbidades e mais fatores de risco. A de causa pulmonar é a que tem pior prognóstico.

– A TI isolada é a que ocorre na ausência de doenças coexistentes. Está se tornando mais frequente e se caracteriza pela ocorrência de dilatação do átrio direito (AD), do anel triscuspídeo e fibrilação atrial (FA).

Exame físico

O achado clássico é de sopro holossistólico, mais audível na borda externa média, à direita ou à esquerda, a depender do grau de remodelamento do VD. Manobras que aumentam o retorno venoso aumentam a intensidade do sopro.

O sinal de Lancisi é o achado de pulsação jugular ampla e monomórfica na sístole, comumente confundida com pulsação carotídea.

Na TI grave o fígado pode ser pulsátil e o sopro pode ser audível no fígado. Sinais de IC direito são comuns e podem haver congestão hepática e do trato gastrointestinal, inclusive com quadros clínicos que levam a insuficiências hepáticas. Congestão renal também pode ocorrer, com síndrome cardiorrenal e redução de diurese.

Critérios diagnósticos

O ecocardiograma transtorácico (ETT) é o padrão ouro. Deve ser realizado na janela paraesternal, eixo curto e quatro câmaras, com objetivo de visualizar os 3 folhetos. O doppler avalia a gravidade da evidência e achados de área de jato regurgitante > 10cm2 e veia contraída > 7cm sugere importante.

O jato regurgitante pode ser calculado, porém o resultado costuma ser impreciso. Além disso, o valor de corte para TI grave não é definido. Com o aumento da gravidade, o fluxo sistólico reverso pode ser observado nas veias hepáticas.

Assim, o diagnóstico de TI grave é feito com base na avaliação da área do jato regurgitante, veia contraída e presença de fluxo reverso na veia hepática. Dento da gravidade o paciente pode ainda ser classificado com gravidade, massiva e torrencial, que tem a pior sobrevida.

O ecocardiograma pode ser útil para planejamento de procedimentos e avaliação de plastias contra troca valvar.

A ressonância magnética cardíaca (RMC) pode auxiliar na diferenciação dos casos mais graves, já que tem alta resolução espacial e permite delinear melhores estruturas. Além disso, é possível avaliar o acometimento do VD e o remodelamento fibrótico.

Tratamento conservador

O tratamento conservador é limitado e o paciente deve ser seguido com ETT. Não há recomendação específica em relação ao tempo, porém pode-se extrapolar dos casos de insuficiência mitral (IM), com exames a cada 3 a 6 meses.

Os diuréticos de alça auxiliam no intervalo dos sintomas e quando o paciente apresenta sinais de IC direito com sintomas persistentes e internações recorrentes devem ser avaliados por uma equipe de válvulas.

Não é claro que a correção da TI grave melhora nos estágios pelo remodelamento do VD e os estágios após a correção tem sido associados à fração de ejeção do VD e volumes diastólicos finais, porém não há valores de corte definidos. Ou seja, não há boa definição de quem se beneficia da intervenção e sugere-se que pacientes com TI grave, mesmo que assintomáticos, devam ser avaliados por uma equipe de válvulas, com o objetivo de prevenir remodelamento irreversível de DV.

Tratamento transcateter

Esse tipo de tratamento é mais recente e ainda há diversos desafios, principalmente por conta da complexidade anatômica da válvula. Ao se considerar as disciplinas transcateter, há 2 opções principais: Correção ou troca valvar.

Dentro das possibilidades de correção, há também 2 opções: anuloplastia ou dispositivos de coaptação. A anuloplastia objetiva reduz o tamanho e restaura o formato do anel dilatado. Já os dispositivos de coaptação funcionam como uma forma de fechar um espaço entre os folhetos, com foco no folheto septal, ou mais comumente alterado.

O reparo transcateter edge-to-edge é um dispositivo de coaptação e é uma técnica mais científica. É o único que foi avaliado de forma randomizada e controlada. O estudo TRILUMINATE avaliou o dispositivo Triclip em pacientes com TI sintomática com tratamento clínico otimizado e risco cirúrgico intermediário ou alto.

Nesse estudo os pacientes tinham idade média de 78 anos, 55% eram mulheres, 90% tinham fibrilação atrial, 80% hipertensão e 42% hipertensão pulmonar. Do total, 90% dos casos foram de TI secundários. A intervenção do grupo teve menor ocorrência de morte ou cirurgia valvar e internação por insuficiência cardíaca. A taxa de sucesso foi de 100%, não houve óbitos relacionados ao procedimento e 98% ocorreram livres de eventos adversos nos primeiros 30 dias após o procedimento. Esses resultados mostram que é procedimento promissor para pacientes de alto risco, com boa segurança e eficácia.

Existem ainda 2 dispositivos de coaptação com designs diferentes: o sistema PASCAL e o FORMA, cujos resultados estão sendo avaliados em estudos ainda em andamento. Em relação à anuloplastia, há 5 dispositivos em estudo, que parecem ser seguros, porém ainda não há resultados.

Transcateter de implante válvula em válvula

Este procedimento consiste em troca valvar via percutânea e há 2 categorias:

– Ortotópicas: colocadas no anel valvar, exceções de anatomia favorável. Existem 7 válvulas construídas até o momento, geralmente de pericárdio bovino em uma base de nitinol autoexpansível, que variam em tamanhos e níveis de dureza. O ideal é que tenha tamanho pequeno o suficiente para caber no VD e consiga se estabilizar em um anel valvar relativamente grande. Essas valvas ainda estão sob estudo e quase não há dados disponíveis, porém, dados preliminares sugerem perfil de segurança favorável, com alta taxa de sucesso e baixa taxa de mortalidade intra-hospitalar. Boa parte dos pacientes tem melhora dos sintomas em até 30 dias e há um estudo randomizado e controlado em programação de início em breve.

– Heterotópicas: colocadas na veia cava; Há algum benefício na melhora dos sintomas e na gestão hepática e existe apenas um sistema desse tipo, que se mostrou seguro e eficaz. Porém, este tipo de procedimento foi realizado em pacientes de risco cirúrgico muito alto ou proibitivo. Parece haver alta taxa de sucesso e melhoria da mortalidade no seguimento de 6 meses.

As complicações do implante transcateter valve-in-valve são as mesmas de outras válvulas, como disfunção, vazamento paravalvar, alteração elétrica e lesão vascular. Pode ocorrer também formação de trombos e, como a pressão e a velocidade de fluxo são menores que do lado esquerdo do coração, indica-se anticoagulação de longo prazo para todos os pacientes.

No geral, os dados sobre esses dispositivos ainda são limitados e a maioria vem de estudos da indústria, com potencial viés. Além disso, a maioria dos pacientes são de alto risco cirúrgico ou proibitivo, podendo haver confusão.

Intervenções cirúrgicas

Cirurgia é pouco realizada atualmente e Correção valvar, com anuloplastia e correção do folheto, é mais realizada que troca da valva. Geralmente é feito quando há indicação de cirurgia mitral ou aórtica, já que a correção isolada tem muitas complicações e alta mortalidade.

Parece que o mais importante é definir qual paciente tem benefício e todos os que têm TI primária ou TI isolada grave com tratamento otimizado deve ser avaliado por uma equipe de válvula.

Comentários e conclusões

A TI grave é de difícil manejo e tratamento clínico limitado. A cirurgia não tem bons resultados e relatos relatados. Nos últimos anos surgiram novas possibilidades de tratamento intervencionista, com os procedimentos percutâneos. Porém, ainda são necessários mais estudos clínicos para comprovar a eficácia e segurança de novos procedimentos, que parecem promissores.

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