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Um panorama atual sobre a pancreatite crônica – PEBMED

A teoria da pancreatite crônica é caracterizada por episódios inflamatórios pancreáticos recorrentes que, em conformidade com a fibroinflamatória, induzem à perda progressiva da função exócrina e endócrina.

Imagem de brgfx no Freepik

Principais causas

A principal etiologia da pancreatite crônica é o uso abusivo de álcool, principalmente quando o consumo ultrapassa 5 unidades diárias (90 g). Nota-se ainda o efeito sinérgico com o tabagismo, que potencializa também o risco evolutivo para o adenocarcinoma pancreático.

Na ausência de fatores de risco óbvios, a atenção deve se voltar para as alterações genéticas, especialmente diante do histórico familiar compatível.

As principais mutações interferem na ação da tripsina, seja por meio de ganho da função (gene PRSS1) ou perda da função inibitória (genes SPINK1 e CTRC) e na função ductal (gene CFTR). Mais recentemente, foi aventado o papel de mutações no gene TRPV6.

A doença multiorgânica relacionada à IgG4, responsiva à corticoterapia, deve ser aventada especialmente entre os homens acima dos 60 anos com quadro de icterícia indolor.

Leia também: ACSCC 2022: Conduta expectante frente a lesões císticas do pâncreas

Fisiopatologia

As vias de inflamação, fibrose e dor na pancreatite crônica se perpetuam pela ativação das células estreladas pancreáticas, que migram do seu estado quiescente para o modo ativado, quando geram uma produção pungente de citocinas.

As células estreladas, uma vez ativadas, sintetizam proteínas da matriz extracelular e secretam IL-4 e IL-13, deflagrando a atividade de macrófagos que, por sua vez, sintetizam TFG-β, intensificando o estado fibro-inflamatório proteico à condição.

O TFG-β realiza ainda a mediação da dor por meio da via de sinalização intracelular Smad3 nos neurônios sensoriais pancreáticos, estimulando as vias sensitivas aferentes direcionadas ao sistema nervoso central a partir da medula espinhal.

A síndrome malabsortiva e o diabetes do tipo 3C geralmente se desenvolvem a partir do comprometimento glandular intenso, com função pancreática remanescente a 10%.

Manifestações clínicas

A dor abdominal, tipicamente debilitante, é considerada a apresentação mais frequente (90% dos casos), referida na região epigástrica, com irradiação para o dorso e exacerbada no período pós-prandial.

A esteatorreia, manifestação de fezes oleosas, volumosas, pálidas, mal-cheirosas e flutuantes, é acompanhada por síndrome de má absorção, emagrecimento não intencional, déficit de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), sarcopenia, osteopenia e osteoporose.

Propedêutica fecal

A mensuração da gordura fecal em amostra de 72 horas, propedêutica clássica, deve ser realizada com vigilância de ingestão adequada de lipídeos (70 a 100 g). Os valores considerados normais são os menores ou iguais a 7%. Entretanto, as dificuldades práticas de coleta podem ser contornadas, com boa sensibilidade, pela pesquisa de gordura em amostra única de fezes.

A propedêutica fecal ainda inclui a dosagem de elastase-1 e quimotripsina, com destaque para a maior especificidade e sensibilidade da primeira, que se aproxima de 100%.

Alterações morfológicas e diagnóstico imaginológico

As estenoses e cálculos ductais, em conjunto com as alterações parenquimatosas (atrofia, fibrose, calcificações e pseudocistos), são fundamentais para o diagnóstico e podem ser identificados com boa acurácia pelos exames seccionais de imagem: TC e RM de abdome.

A ultrassonografia endoscópica, por ser um método mais invasivo e menos específico, é reservada para os casos duvidosos, podendo ser útil para elucidar alterações sutis, como focos e bandas hiperecóicas parenquimatosas, contornos lobulados do pâncreas, pequenos cistos parenquimatosos, dilatação, irregularidades e diminutos cálculos do ducto pancreático principal.

As técnicas quantitativas de RM foram desenvolvidas rapidamente, valendo-se do alto conteúdo proteico pancreático que permite individualizar o volume extracelular (preditor de fibrose) e graduar o conteúdo de gordura (preditor de lipossubstituição).

Saiba mais: Abordagem diagnóstica e terapêutica da síndrome do intestino irritável e da diarreia funcional

Abordagem

A abstinência do álcool e o tabagismo são fundamentais no tratamento da pancreatite crônica, mas são insuficientes para interromper a progressão da doença.

A reposição de enzimas pancreáticas é importante no manejo da esteatorreia e da síndrome malabsortiva, recomendando-se geralmente uma dose inicial de 40.000 a 50.000 unidades de lipase por refeição. O seu papel no controle álgico é controverso, de forma que não pode ser recomendado exclusivamente para essa finalidade.

O controle álgico deve ser realizado de forma escalonada, por meio de analgesia simples, adicionando-se opioides sob demanda. As terapias adjuvantes incluem os antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e gabapentinoides, que atuam no mecanismo de dor neuropática.

O bloqueio do plexo celíaco, realizado por meio da infusão de anestésicos locais e corticóides, permite a redução da demanda por opioides em mais da metade dos casos, embora o rompimento normalmente seja transitório.

Nos indivíduos com estenoses e cálculos no ducto pancreático principal, a descompressão endoscópica ou cirúrgica pode ser útil no rompimento da dor.

Os stents de longo prazo posicionados no ducto pancreático podem trazer melhora do controle álgico em quase 90% dos pacientes. A transferência cirúrgica, entretanto, é mais consistente no que se refere ao controle álgico em longo prazo (37% vs. 14% em 5 anos), devendo ser considerada de forma precoce na ausência de resposta às medidas menos invasivas.

Uma vez indicado o tratamento cirúrgico, as técnicas preservadoras de parênquima pancreática e do duodeno são preferíveis, exemplificadas pelas cirurgias de Frey e Beger/Berne, bem como a pancreatojejunostomia longitudinal (cirurgia de Puestow).

A pancreatectomia total, combinada com o autotransplante de ilhotas pancreáticas, deve ser reservada para o cenário de refratariedade amplo ao tratamento clínico, endoscópico e cirúrgico. O procedimento deve ser considerado mais precocemente na pancreatite crônica hereditária, pelo risco elevado de câncer pancreático.

O diabetes é tratado em um primeiro com metformina, avançando-se para a insulinoterapia nos casos indicados. A terapia com incretinas deve ser evitada, pelo potencial intrínseco da classe farmacológica de deflagrar episódios de agudização de pancreatite.

Uma atenção especial deve ser direcionada à prevenção da hipoglicemia. Os indivíduos com pancreatite crônica podem apresentar síndrome de mau esvaziamento gástrico por múltiplos fatores (gastroparesia diabética, estenose duodenal e especificidade extrínseca por pseudocistos) e perdem um importante mecanismo contrarregulatório, em decorrência da menor capacidade de disfunção do glucagon pelas células alfa das ilhas pancreáticas.

Complicações

A evolução do adenocarcinoma ductal pancreático é uma das complicações mais temidas, com risco aumentado em pelo menos 13 vezes, principalmente nos primeiros 5 anos após o diagnóstico e, na presença de diabetes, alcança 33 vezes. O câncer pancreático é ainda mais frequente nas etiologias hereditárias de pancreatite crônica, quando há indicação de rastreio radiológico anual e atenção quanto à pancreatectomia total profilática.

O marcador tumoral CA 19-9, embora possa estar aumentado no contexto da própria pancreatite crônica e na obstrução biliar benigna, quando elevado, aumenta a probabilidade de malignidade subjacente, com sensibilidade e especificidade superiores a 80% e razão de verossimilhança positiva de 4, 08 e negativo de 0,24, podendo ser combinado com os métodos imaginológicos no rastreamento.

As complicações inflamatórias como pseudocistos ascite derrame pleuralfístula pancreática e trombose esplâncnica são mais esperadas na etiologia secundária (OR 2,0 – IC 95%: 1,38 a 2,9 – P

Os pseudocistos pancreáticos exigem intervenção na presença de sintomas compressivos locais persistentes, condicionando dor abdominal, obstrução duodenal, gástrica ou biliar, sendo a modalidade de mudança preferencial a ecoendoscópica, seja pela janela transgástrica ou transduodenal, com taxa de resolução próxima aos 90%.

As complicações vasculares são representadas principalmente pelos pseudoaneurismas das artérias esplênica e trombose venosa. O manejo dos pseudoaneurismas geralmente é feito pela via intervencionista, através da embolização percutânea, com taxa de sucesso de 88% e risco de infarto esplênico de 5,5%. As tromboses esplâncnicas, especialmente no território da veia esplênica, devem levar à vigilância para o desenvolvimento da hipertensão portal segmentar e a discussão sobre o risco vs.

Novos horizontes

As novas modalidades terapêuticas visam a inibição de IL-4, IL13 e TFG-β, com estudos incipientes em modelos animais com a pirfenidona. A sinvastatina pode auxiliar na correção de mecanismos autofágicos acinares e o paricalcitol, um potente análogo da vitamina D, pode induzir à retomada do estado quiescente das células estreladas pancreáticas.

Conclusão e mensagens práticas

  • A pancreatite crônica é uma doença crônica, rara e, até o presente momento, sem tratamento curativo.
  • Os principais fatores de risco são o etilismo e o tabagismo que, uma vez interrompidos, desaceleraram, mas não interromperam, o seu curso evolutivo.
  • A doença multiorgânica relacionada à IgG4, mais frequente entre homens idosos, é uma exceção em termos de responsividade à corticoterapia e imunomodulação.
  • As medidas suportivas gerais incluem a analgesia, programação de enzimas pancreáticas e vitaminas lipossolúveis, suporte nutricional, rastreio da doença osteometabólica e do adenocarcinoma pancreático.
  • Os procedimentos descompressivos, sejam endoscópicos ou cirúrgicos, são indicados como adjuvantes no tratamento da dor, com melhores resultados em longo prazo com os segundos.

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