O problema é que as “gambiarras” que a comunidade precisa fazer para ter acesso à energia são um grande perigo

Ventilador está na lista de itens essenciais de Cícero (Foto: Marcos Maluf)

Em barracos cobertos pelo zinco, feitos de lona e madeira, o ventilador se tornou item vital. Os moradores até oferecem o aparelho, mas outro desafio é fazer o equipamento funcionar. Sem abastecimento de energia, bolsas de famílias em moradias irregulares são arriscadas diariamente fazendo gambiarras para refrescar ou lar improvisado. Como muitas casas dependem da mesma ligação clandestina, o risco de curto circuito é maior.

O eletrotécnico Jeová Rodrigues, 45 anos, vive na antiga área da extinta Homex, na saída para São Paulo. Em março do ano passado, a comunidade iniciou processo de regularização, com instalação de postes e fornecimento de energia, mas o projeto ainda está em andamento.

Ele explica que essas ligações em série criam uma forte resistência na rede e potencializam incêndios “E essas ligações clandestinas não usam o fio de segurança para ligações. Pode virar uma tragédia, em periferia mesmo, pega fogo num barraco, se tiver outros do lado, pode acabar com tudo, só com um curto-circuito e uma gambiarra assim”, explica o profissional.

Mas quando o calor insuportável e os pernilongos não deixam dormir, o jeito é pagar para ver.

No barraco de Cícero José Martins, 64, a ligação de energia vem de um posto localizado a 150 metros da casa. Foram necessários mais de 100 metros de fio para a eletricidade chegar na moradia dele e de outros sete barracos vizinhos. Para custear o valor dos oito rolos de fios para montar a rede, as famílias fizeram uma vaquinha.

Como a rede é assustadora, ele só liga o objeto no período da noite, para dormir. O mesmo ventilador funciona há cinco anos. Ele se lembra de ter economizado por dois meses para investir a quantia de R$ 105. Para ele, o item é tão essencial quanto um botijão de gás, por exemplo.

“É um dos itens que a gente mais usa, que a gente mais precisa: uma geladeira, um botijão de gás e um ventilador. Sem a geladeira isso aqui é um caos, por causa da água gelada, e sem ele (o ventilador), não tem como, é complicado, é muito calor e muito pernilongo”, declara Cícero.

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Se não fosse pelo ventilador doado pela sogra, a dona de casa Damares de Souza Nunes, 31, não teria um para dividir com o marido e os filhos, de 8, 9 e 11 anos. O objeto só é ligado à noite, porque a energia da casa sobrecarrega com facilidade.

Conforme a dona de casa, apenas um ventilador não é o suficiente para dar conta do barraco abafado. O jeito é deixar o objeto em um estratégico local, entre o quarto do casal e das crianças, para conseguir refrescar os dois cômodos.

Ela e o marido trabalham com serviços gerais e diários. Entre comprar um ventilador novo e colocar comida na mesa, não há dúvidas de qual é a prioridade do casal, que tem três filhos para cuidar. “Não sobra dinheiro. E nem compensa comprar ventilador usado, porque a energia daqui não é boa também. Às vezes ela vem forte, e aí estraga, queima”.

“Estamos com um velho mesmo, e olha que esse velhinho já caiu, já cortes, já foi trocado de hélice umas 34 vezes. (Para arrumar) fui me virando sozinha, tem que se virar nos 30. Não tem dinheiro para comprar o novo”, relata Damares.

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Considerada um “item essencial” pela dona de casa Stefany Gonçalves dos Santos, 37, ela precisou comprometer uma parte do auxílio que recebe do governo para comprar um ventilador. Mesmo assim, não é sempre que dá de ligar, pois a dona de casa relata que a energia da comunidade é precária.

“Ou você usufruti de uma coisa ou de outra. Eu não tenho padrão, então é mais complicado. Se eu for usar uma máquina (de lavar roupa), tem que desligar o ventilador, porque pode dar curto”, relata Stefany.

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O investimento, no entanto, vale a pena. “É uma qualidade de vida. Não tem como ficar sem, ainda mais nesse calor. Nessa época de chuva, aqui, onde tem muito mato, tem mosquito, então é uma coisa que hoje não tem condições de ficar sem”.

A reportagem detetou a Energisa para questionar o respeito de ações para evitar esse tipo de risco em áreas invadidas. Até a publicação da matéria não houve retorno.

Emanhado de fios usados ​​para fazer ligações clandestinas de energia na comunidade (Foto: Marcos Maluf)
Emanhado de fios usados ​​para fazer ligações clandestinas de energia na comunidade (Foto: Marcos Maluf)

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